sábado, 17 de março de 2018

Sobre impressos e expressos.

Eu sou assinante de um jornal impresso de grande circulação, no Rio de Janeiro, cujo nome (não pretendo fazer propaganda aqui) começa com O e termina com GLOBO. Todo cuidado é pouco ao lermos notícias porque meios de comunicação, de todos os tipos, podem manipular a informação de modo a formar opinião em favor do chamado establishment. Temos que estar atentos, como sempre.

A edição de hoje, daquele jornal, traz um artigo de um colunista do New York Times, o jovem Farhad Manjoo, que versa sobre a sua experiência de dois meses se informando somente por meios impressos. Foi um abandono quase total dos alertas de notícias e redes sociais no smartphone. Quase total porque total seria demais para alguém com menos de 40 anos.

De qualquer modo, Farhad percebeu que essa experiência lhe permitiu mais tempo livre e a possibilidade de questionar como se consome o chamado conteúdo online. Alguns trechos do artigo:

Eu estava basicamente desacelerando o noticiário - ainda queria me informar, mas queria formatos que priorizassem profundidade e precisão em vez de velocidade.

Foi uma experiência que mudou a minha vida.

... foi como me libertar de um monstro que tinha meu número salvo nos favoritos, sempre pronto pra interromper meu dia com fatos incompletos.

Agora, não só estou menos ansioso e menos viciado em notícias, como fiquei mais bem informado.

Fico até constrangido com a quantidade de tempo livre que tenho agora - em dois meses, consegui ler seis livros ... me tornei um pai e marido mais presente.

Com as facilidades que a inteligência artificial trouxe para a manipulação de áudios e vídeos, estamos entrando numa distopia ...

Mas será que eu e você não temos um papel nisso tudo?

Bem, com relação à última frase, ter ... um papel nisso tudo ... remete à noção, que ainda prevalece na língua portuguesa, a despeito do mundo digital, que responsabilidades estão relacionadas ao velho e perecível papel, em oposição aos algoritmos. Interessante, não?

Algo que se pode concluir do relato de Farhad é que, por mais manipuladora que possa ser a mídia impressa, ela ainda é pouco eficiente nesse quesito quando comparada à mídia digital.

Eu já escrevi antes, neste blog, sobre a construção de consciências críticas e manipulações e acho que, em essência, estar atento pro mundo é um exercício que nos permite integrar a racionalidade e a emoção humanas. O artigo de Farhad vai nessa linha. Num mundo de superficialidades e intolerância, onde ética e estética são obliteradas por ... um borrão de manchetes na tela bloqueada do celular ... -  para citar um outro trecho do articulista -  é um alento ver gente jovem atenta para o que há de mais profundo e humano em todos nós.

P.S. No mesmo jornal, no mesmo dia, José Eduardo Agualusa lembra as mortes de Stephen Hawking e Marielle Franco. O famoso escritor angolano não se inspirou no que escrevi ontem e, é claro, eu não poderia ter me inspirado, para escrever ontem, no artigo dele de hoje. Sobre coincidências e plágios, eu remeto meus 19 leitores ao livro indicado pelo blog para este mês, de Oliver Sacks. É que o humano nos une, em corações e mentes.

Até breve.






sexta-feira, 16 de março de 2018

Stephen e Marielle.

Duas mortes tão diferentes, mas igualmente comoventes.

Stephen Hawking esperava morrer jovem, depois de diagnosticado com sua tenebrosa doença quando tinha 21 anos de idade. Viveu até os 76. Teve três filhos, casou-se duas vezes e foi um dos maiores divulgadores da Ciência no final do século passado e início deste milênio. Contrariando as probabilidades, venceu sua decrepitude física usando o máximo de racionalidade que seu cérebro permitia, aliada a um bom humor que insistia em mostrar ao público (mas não necessariamente entre os íntimos). Tornou-se pop, reconhecido por bilhões de pessoas em todo o mundo. Morreu em paz.

Marielle Franco nasceu pobre e emergiu da minoria que depois defendeu. Tinha o direito de esperar viver muito, mas morreu jovem. Teve uma filha, tornou-se bissexual e uma das maiores divulgadoras das mazelas de oprimidos no Rio de Janeiro, os quais defendia. Contrariando as probabilidades, venceu sua origem humilde usando o máximo de racionalidade que seu cérebro permitia, aliada a um sorriso que insistia em mostrar ao público. Tornou-se política, reconhecida por milhares de oprimidos e cidadãos do Rio de Janeiro e do exterior. Morreu assassinada.

Stephen achava que a sobrevivência da humanidade requeria a colonização de outros mundos. Marielle achava que este mundo poderia ser compartilhado por todos. Stephen não se preocupava com distinções de etnias, gêneros e classes. Marielle não se preocupava com buracos de minhoca e multiversos.

Como as mortes de duas pessoas que viveram realidades e mundos tão distintos nos comovem igualmente?

Talvez, irracionalmente, todos queiramos que Stephens e Marielles não morram porque eles encarnam aquelas qualidades que reconhecemos nos melhores seres humanos. A valorização do conhecimento, da consciência crítica, da resiliência e da preocupação com o outro, seja esse outro toda a humanidade ou o abandonado da esquina. Sem Stephens e Marielles nossas esperanças se extinguem, nos restando, paradoxalmente, as suas ausências para que, de algum modo, nossas esperanças também se renovem.

Que um dia sejamos todos um pouco de Stephen e Marielle.

Até breve.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Quem viver, verá. Se forem muitos, verão!

E desse destempero as estações
Se alteram, e a geada toda branca
Pinga o vermelho do botão da rosa,
Enquanto que nos cumes mais gelados,
A ironia coloca uma guirlanda
De flores perfumadas. Primavera,
verão, o morno outono e o triste inverno,
Trocam-se as roupas, e um mundo atônito
Não os distingue, nesta confusão.

Reconhecem o bardo inglês? Trata-se de um trecho de Sonhos de uma noite de verão, escrito em 1595-96 por William Shakespeare, em tradução de Bárbara Heliodora. A peça foi feita para um casamento de nobres, não se sabe ao certo quais, e fala sobre ... Ah, apenas leia. Lá você conhecerá Puck e imaginará se seria possível ele ter inspirado o nosso Saci Pererê (Sei enganar cavalo só com o som de relincho de égua; e eu sei, também, me esconder em panela muito bem. E parecer uma maçã assada. E quando a cozinheira esfomeada, me leva à boca, eu faço ela babar ... eis um trecho da fala de apresentação de Puck por ele mesmo).

As recentes confusões meteorológicas em que se envolveu a Cidade Maravilhosa me remeteram ao teatro poético do século XVI. Talvez porque devemos estar vivendo problemas semelhantes àqueles que os cariocas viviam no século XVI, embora mais de 400 anos depois. Ou talvez porque o caráter de nosso alcaide, cuja ironia ou desfaçatez tenta coloca(r) uma guirlanda de flores perfumadas desde os cumes mais gelados da Europa Setentrional (Oi pessoal, tudo bem? Chegamos aqui, na Suécia ... É frio prá chuchu ...), se assemelhe ao de Puck.

Por favor: avisem aos políticos, engenheiros e técnicos e operários das empreiteiras ocupados em obras públicas que vivemos tempos de mudança climática global. Que primavera, verão, o morno outono e o triste inverno, trocam-se as roupas e, portanto, cuidados extras são exigidos de suas competências para que redes de esgotos esgotem adequadamente, rios assoreados não transbordem e ciclovias não desabem. Pois somos o mundo atônito ... nesta confusão, com tecnologias do século XXI nos bolsos e urbanidade do século XVI nos corações e mentes.

No mais, viva o bardo!

Até a próxima.

domingo, 4 de março de 2018

Se essa casa, se essa casa fosse minha ...

Os juízes do Brasil ameaçam entrar em greve no dia 15 de março próximo. O motivo? Não, não é contra a demora dos processos judiciais, especialmente de condenados cujas penas já foram cumpridas e que ainda estão nas confortáveis instalações penitenciárias nacionais. Ou contra a nomeação de pares, para os supremos tribunais do país, com base em critérios políticos ou inomináveis, ao invés de meritocráticos e técnicos. A greve é em defesa da manutenção do auxílio-moradia, uma ninharia em torno de R$ 4.500,00 mensais que é depositada nas contas-pagamento de nossos magistrados. O auxílio-moradia é uma gratificação salarial que os magistrados (e outros funcionários públicos) recebem para o pagamento de aluguel quando não há imóveis funcionais nas comarcas em que trabalham.

Pesquise que tipo de apartamento você poderia alugar com este dinheiro na Asa Sul de Brasília, por exemplo. Você possivelmente vai encontrar um ótimo três quartos com dois ou três banheiros e uma área entre 120 e 150 metros quadrados. Não me parece ruim, nem mesmo para um juiz federal. E isso em Brasília, que tem um dos metros quadrados mais caros do Brasil. Agora, em Cuiabá, Rio Branco, São Luís, Teresina e Porto Velho, ou mesmo em Belém, Manaus e Recife, você possivelmente encontraria um bom quatro ou cinco quartos pelo mesmo valor, não? No Rio, de onde escrevo, você conseguiria uma cobertura até mesmo na Barra ou Recreio, muito embora não em frente à praia, infelizmente.

É claro que, por tudo isso, a oferta de um auxílio deste tipo (e de outros tipos também) deve considerar algumas características locais, como de infra-estrutura, por exemplo. Mas o problema de fato aparece quando o funcionário público recebe o auxílio já sendo proprietário de imóvel na sua comarca de trabalho. Ou de sessenta imóveis, como é, supostamente, o caso de um magistrado brasileiro. Ou do casal de magistrados que recebe dois auxílios, como se fossem viver em casas separadas. Obviamente, isso traz à discussão questões éticas porque desqualifica a razão primordial da existência do auxílio: quem já tem onde morar, não precisa de auxílio para pagar aluguel.

 Alguns magistrados apontam várias justificativas em favor da manutenção daquilo que muitos consideram um privilégio, mas há uma bem estapafúrdia, que defende que o auxílio compensa uma defasagem salarial histórica. Até mesmo um advogado de porta de cadeia hesitaria em levar um argumento deste à corte. Então, que se faça a greve pelo fim das gratificações e por um aumento salarial que alcance um valor considerado justo pela categoria.

Magistrados têm o poder de julgar cidadãos e uma imensa responsabilidade sobre o destino da vida das pessoas cujos processos cruzam os seus gabinetes. É uma função muito difícil de exercer, quando apoiada em bases morais e éticas sólidas. Algo semelhante à responsabilidade do médico sobre a vida ou morte de seus pacientes. Talvez por isso, tenha se construído uma espécie de senso comum que nos indica que juízes e médicos são seres especiais dotados de grande sabedoria e muito pouco susceptíveis a erros. Afinal, médicos curam mais do que matam. E juízes acertam mais em seus veredictos do que erram. Pelo menos é isso que a relativa normalidade das sociedades nos faz crer, uma vez que as crises são exceções e não a regra.

Mas juízes, médicos, engenheiros, funcionários públicos e privados, marceneiros, mecânicos e o padeiro da esquina; ou seja, todos nós, estamos igualmente submetidos ao imponderável do cotidiano. Eu me esforço para acreditar que nossos magistrados não se consideram pertencentes a uma casta tão especial que mereça privilégios destituídos de mérito e bem justificados. Acho, inclusive, que a formação intelectual deles é suficiente para que apresentem à sociedade razões pelas quais seus salários devam ser corrigidos sem terem que recorrer a desvios de finalidades de gratificações. Mas, para o caso de haver magistrados que se considerem especiais, vale indicar a leitura de A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói (1828-1910). O conde e escritor russo é mais conhecido por suas obras monumentais, tais como Anna Kariênina e Guerra e Paz, bem diferentes da narrativa curta indicada aqui. No romance, Ivan Ilitch é um magistrado competente e de grande reputação na Rússia czarista que só começa a refletir sobre questões éticas e filosóficas durante uma doença grave, que acabaria levando-o à morte, como consequência de uma corriqueira queda dentro de sua própria casa. A queda ocorre quando Ivan se põe a decorar a nova casa sob os auspícios de uma ajuda de custo, ou auxílio, de três mil e quinhentos rublos devido à sua realocação para uma magistratura numa comarca fora da capital.

Como eu mencionei, o imponderável e o patético do cotidiano afeta todos nós. Ivan se considerava um bom filho, um bom pai, um bom marido, um bom magistrado e, por isso, um injustiçado pelo destino. Mas não conseguia se ver como aquilo que realmente era: um ser humano como outro qualquer. Que tipo de queda nossos magistrados estão almejando para começarem a refletir sobre questões éticas e morais? A rigor, eles não precisam procurar. A história de Ivan Ilitch nos faz crer que a vida é capaz de providenciar essas quedas, de um modo ou de outro.

Até mais.

sexta-feira, 2 de março de 2018

2017 não existiu!

Nenhuma postagem neste blog em 2017! Também, que ano, hein? Para cariocas e fluminenses, então, nem se fala. Foi um ano especialmente difícil para mim. Fiquei sem vontade de escrever. Na verdade, estou até forçando um pouco a barra para escrever agora. Ressaca de 2017? Talvez ...

O ano de 2018 promete, e os políticos também. Afinal, é ano de eleições e promessas não vão faltar. A minha impressão é que nem o melhor analista político consegue, neste momento, vislumbrar com o mínimo de certeza como serão essas eleições. Que analista arriscaria um percentual de votos brancos, por exemplo? Ou nulos?

Mas 2018 também será o ano da Copa! Sem a Itália, e na Rússia. Italianos e russos podem ser tão exuberantes quanto brasileiros. Viram o último debate para a presidência da Rússia? Uma das candidatas jogou água na cara do candidato da ultra-direita. O que significa ser ultra-direita num país que foi a maior república da antiga União Soviética? O que será que ele defende? A volta dos gulags? E o que será que defende a candidata nervosa? Um alinhamento com Trump? Rock and Roll para todos? Mas isso o Putin já não faz?

Em 2017 o mundo nos deu Trump. Em 2018 poderá nos dar Jair Bolsonaro. Ou Geraldo Alckmin. Já imaginaram a Marina Silva jogando suco verde na cara do Jair? E ele gritando que não a estruparia (sic!) porque ela é feia!

Há um patético no mundo que insiste em ficar. Meninas que lutam contra a misoginia não se importam em balançar a bunda ao som de funk nas portas das universidades. Professores universitários liberais resistem a incluir seus nomes em abaixo-assinado contra a intimação policial de um pesquisador de 87 anos que dedicou toda a sua vida ao estudo dos efeitos terapêuticos da cannabis sativa.

Toda essa incoerência é normal num mundo onde o cinza predomina. Não há mais preto e branco (e eu me arrisco aqui a ser chamado de racista!). Eu acho que isso confunde o ser humano, na medida em que evoluímos, desde a savana africana, ou antes dela, seguros por reconhecermos padrões. Cheiros, sons, visões, calores e frios que tinham significados precisos, sinalizando perigos e situações de segurança. O mundo cinza de hoje exige muito mais reflexão. Discernir entre o que fazer e o que não fazer ficou muito mais difícil. Em quem votar e em quem não votar. Por que as mensagens que nos chegam é que é errado bater em mulheres, perseguir negros e homossexuais e explodir sinagogas, igrejas, templos e terreiros. É muita informação. Não seria mais fácil trocar isso tudo por uma mensagem mais simples? Aquela que nos lembra que devemos respeito a todos (todos é todos, inclui todo mundo, maiorias e minorias) e que nossos direitos são limitados não pelos direitos dos outros mas pelos nossos deveres, aqueles que devemos observar para continuarmos a caçar juntos na savana.

Até a próxima.